Entrelace -1º Capítulo

 
CAPÍTULO I
Ansiedade dupla


        São Paulo, capital, terça-feira, 16 de dezembro de 2008. A chuva batia em copiosas gotas na janela do meu apartamento, afastando um pouco do calor que fez durante todo o dia. Sentado na cama, com o notebook sobre o colo, conversava com Carol. Todas as suas palavras e sua forma de escrever denotavam alegria e, em alguns momentos, eu me sentia como se ela estivesse sussurrando estas palavras ao meu ouvido, o que fazia que eu me sentisse feliz e inseguro ao mesmo tempo.

        Depois de dois anos e meio de um namoro virtual, finalmente íamos nos encontrar. Depois de vinte anos, eu retornaria à minha cidade natal. Faltavam poucos dias e tudo parecia, ao mesmo tempo, tão distante, tão próximo, tão promissor e tão assustador, principalmente em relação a Carol.

        Nós só nos conhecíamos por foto, nunca tínhamos nos encontrado pessoalmente e nos dizíamos apaixonados um pelo outro. Eu, de fato, tinha certeza do meu amor por ela, afinal ela era encantadora, inteligente, culta, carinhosa, engraçada, espirituosa e tinha uma beleza mediana. Eu sabia que ela não era nenhuma modelo, nem eu desejava que fosse. Mas eu estava inseguro em relação ao amor dela por mim.

        Eu tinha contado a ela toda a verdade sobre mim e ela não pareceu se importar; ao contrário, pareceu aceitar, embora não tocasse no assunto comigo. Eu não sabia se esse era o jeito dela de demonstrar que me aceitava como sou, se não queria falar por não encarar muito bem a situação (apesar de me aceitar) ou se não tinha entendido direito o que me aconteceu. Enfim, eu estava cheio de dúvidas e isso me metia medo. Tinha medo de que nosso encontro se tornasse um pesadelo real (eu já tinha tido vários sonhos nos quais ela me rejeitava e também alguns nos quais ela me aceitava) e sentia como se tivesse me atirando em um precipício sem fundo.

      - Amor, vamos nos encontrar logo na quarta-feira? Amanhã? – empolgada e ansiosa, Carol me perguntou em uma mensagem.

      - Não, meu amor. Devo chegar em Jequié no início da noite. Provavelmente, estarei um “caco”. Eu ligo para você na quinta para combinarmos o encontro. Certo?

       - Ah... Que pena! Estou louca para encontrá-lo, beijá-lo... – lamentou Carol.

       -Também estou com muita vontade de encontrá-la! Mas é melhor esperarmos. Não quero que me veja com cara de cansado. – rebati, deixando claro que também desejava muito vê-la e era verdade.

       - Eu não me importo! – protestou Carol.

      - Mas eu me importo! Além disso, você sabe que que eu preciso descansar... – fiz uma breve alusão a tudo aquilo que tinha contato a ela por e-mail, mas não tive coragem de concluir, não neste momento – Eu ligo para você e combinamos o encontro. Certo?

     - Certo. – Carol aceitou com relutância. Mesmo pela internet, eu já a conhecia o suficiente para saber que estava relutando em aceitar - Mas, por favor, me liga assim que chegar em Jequié para que eu possa ficar mais tranquila. Afinal, vou acabar me preocupando um pouquinho com você quando você estiver viajando. – pediu ela carinhosamente.

    - Ligo, sim, Carol. Mas fique tranquila. Aguentarei bem a viagem, só vou ficar cansado como qualquer pessoa ficaria. – respondi, mas ela não pareceu notar meu excesso de explicações.

     - E qual o número do seu novo chip de celular com DDD de Jequié? Você disse que ia pedir para seu irmão comprar um para você usar quando chegar em Jequié... – lembrou ela.

     - Ah, sim! Leno comprou o chip, sim, e já me passou o número! – respondi e passei o número para ela em seguida.

      Alguns minutos depois, me despedi de Carol, dizendo que precisava acordar cedo no dia seguinte, o tão esperado e tão temido dia da viagem, o dia em que meus sonhos ou meus pesadelos iriam começar a se tornar realidade.

Dormi muito mal a noite. Acordava toda hora, tinha dificuldade de firmar o sono, acordava sobressaltado... Resultado: deixei a cama uma hora antes do previsto e pensei que, pelo menos assim, teria tempo muito mais do que o suficiente para realizar os últimos ajustes necessários na bagagem, no apartamento e, finalmente, partir.

Antes de deixá-lo, dei uma última olhada no meu apartamento pequeno e aconchegante e fui invadido por uma inesperada sensação de saudade. Até então, eu não sabia, mas acabara de constar que os anos de solidão que vivi ali tinham sido de felicidade e, naquele momento, me lançava rumo a um futuro incerto que poderia ser de felicidade ou de decepção. Diante de tal constatação, olhei para a minha sala de estar com apenas um sofá de dois lugares em frente à minha velha televisão de 20” e o aparelho de DVD e para a cozinha com duas prateleiras na parede (a mais ou menos um metro do chão), à direita da porta, para guardar os utensílios de cozinha e o micro-ondas ao lado delas, a geladeira, a lava-louças e um fogão de quatro bocas na parede contígua à passagem entre a sala e a cozinha, uma mesa sem cadeiras encostava à parede da esquerda e uma pia ao fundo, ao lado da porta larga que conduzia à pequena área de serviço, que contava apenas com uma lavandeira, uma máquina de lavar, uma secadora, as cadeiras da mesa, um banco acolchoado e alguns varais, que possuíam o sistema de cordas que permitia que fossem elevados ou suspendidos.

Não pude me furtar a contemplar o amplo banheiro social, composto de chuveiro, sanitário, pia e várias barras de apoio, o meu quarto e o meu banheiro particular. Meu quarto também era amplo, mobiliado com uma cama de casal, um divã e um guarda-roupa. À esquerda da cama, havia uma ampla janela com cortinas, da qual eu sempre gostava de olhar a cidade de São Paulo. À direta da cama, havia uma porta larga que conduzia ao meu amplo banheiro.

Dar esta última olhada em meu pequeno, mas espaçoso, apartamento me trouxe muitas lembranças! Lembranças dos últimos vinte anos! Tristezas, alegrias, frustração, vitórias, enfrentamentos, superação... e, o que me encheu de saudade, também me encheu de coragem. Fechei a porta, decidido, pois agora era tudo uma questão de tempo, de esperar para ver o que os próximos dias me reservavam.

        Reservo-me no direito de não descrever a desgastante e entediante sucessão de escalas do meu voo de São Paulo até Ilhéus-BA. Basta relatar que tomei o avião às 9h, desci em Ilhéus às 15h e que, quando lá cheguei, Leno já estava me esperando para me levar de carro para Jequié. Foram mais três horas de viagem de carro e eu cheguei na casa de meus pais realmente muito cansado. Diante disso, as únicas coisas que eu desejava eram um banho e uma cama para repousar. Mas eu tinha prometido a Carol que ligaria para ela assim que chegasse... Então, resolvi ligar logo, antes que eu sucumbisse ao cansaço.

       - Henri! Que bom ouvir sua voz! – foi o que ela disse assim que atendeu ao celular.

      - Também é muito bom ouvir a sua voz, Carol! – retribui.

      - E como você está? – perguntou ela com um tom de felicidade na voz.

       - Realmente muito cansado! – admiti.

       - Lamento. – disse ela.

       - Já esperava por isso. – fui sincero.

        - Nos encontramos amanhã, meu amor? – ela perguntou ansiosa.

        - Não... – E, antes que eu explicasse o motivo, ele reclamou:

        - Ô, meu amor! Estou tão ansiosa para ver você pessoalmente! Por favor! – ela pediu por fim.

      - Carol, eu também estou ansioso para encontrar você pessoalmente, mas eu estou muito cansado mesmo e não tenho condições físicas e mentais de definir alguma coisa agora. Amanhã, eu ligo para você e combinamos, certo? – rebati com sinceridade.

      - Eu posso ligar para você, amor? – perguntou ela.

      - Não, eu ligo para você. É melhor assim, pois eu preciso me recuperar do cansaço. Não quero me encontrar com você assim. Seja compreensiva, certo? – pedi.

       - Mas? – ela tentou protestar.

       - Confie no meu amor por você, Carol! – tornei a pedir.

       - Eu confio, confio muito. – afirmou ela.

       - Então, até amanhã, Carol. – despedi-me dela.

       - Até amanhã, meu amor. - ela disse, desligando o celular.

      Desliguei o meu celular, pedindo a Deus que o amor dela por mim fosse verdadeiro, que ela me aceitasse como sou de verdade e que nenhum de nós dois sofresse por amor ou pela falta dele em relação ao outro. Em seguida, tomei banho, jantei e fui para a cama. Só acordei às 10h da manhã do dia seguinte e ainda me sentia cansado.

      Passei o dia com o celular desligado. Eu não queria maltratar ou rejeitar Carol devido ao medo de que ela fizesse isso comigo. Não foi por maldade que mantive o telefone celular desligado, mas sim por esse medo que parecia se tornar cada vez maior dentro de mim e me assombrar.

       Liguei para ela no final da tarde:

     - Henri, por que deixou o celular desligado? Eu já estava preocupada com você... – disse Carol assim que atendeu o celular.

      - Eu estava descansando, Carol. – respondi.

      - Dormiu o dia inteiro? – perguntou ela.

      - Não... – admiti – Mas ainda estou cansado. – completei.

      - Por que está fazendo isso comigo? É mais fácil falar com você em São Paulo do que em Jequié... O que está acontecendo? Você está querendo me “dar o fora”, é isso? – perguntou ela com voz de choro.

     A dor dela me comoveu e eu me senti medroso, egoísta, tinha vergonha do medo que estava sentindo, mas achei que deveria ser sincero com ela, mentir só causaria dor e desentendimento.

      - Carol, posso ser sincero com você? – perguntei.

      - É isso que eu quero. – afirmou ela.

     - Eu não quero lhe “dar o fora”, não estou rejeitando você. A verdade é que eu tenho medo... medo do que pode acontecer em nosso encontro. Tenho medo que você não goste de mim, não me queira... É isso. – confessei.

     - Isso não vai acontecer, Henri. Eu o amo. Quero ficar com você! Vai dar tudo certo, tenho certeza disso. – afirmou ela. – Vamos nos encontrar hoje? – propôs ela.

     - Não, hoje não. No sábado às 17h. Certo? – eu afirmei.

      - Por que sábado?

     - Porque até lá eu já estarei mais descansado e já terei acabado com esse medo que estou sentindo. – expliquei.

     - Certo. Sábado, às 17h. Onde? – ela perguntou vencida.

     - No jardim da Catedral de Santo Antônio. Concorda? – perguntei.

     - Concordo. – aceitou ela – Mas vamos ser pontuais, certo? Atraso gera ansiedade e ansiedade não é um sentimento legal nesta situação. – pediu Carol por fim.

    - Certo. Serei bastante pontual. – concordei.

    - Então, conversamos hoje pela internet? – perguntou ela.

   - Não, eu não ajeitei nada ainda, nem toquei no notebook. Não sei como a internet está funcionando. Além disso, acho bom esses dois dias de distanciamento para nos prepararmos psicologicamente para o nosso encontro. Afinal, esse encontro pode influenciar muito em nosso futuro, em nossa vida pessoal. Precisamos estar muito bem preparados para algo tão importante e decisivo. – respondi argumentando.

    - Você acha isso realmente necessário? – ela duvidou

    - Acho. Pelo menos para mim é. – afirmei.

    - Certo.

    - Então, até sábado de tarde, pessoalmente. – despedi-me.

    - Até lá então. Eu amo muito você, Henri. Não se esqueça disso. – disse ela com sinceridade na voz.

    - Eu também amo você. – disse também com sinceridade e desliguei.

     Depois disso, os dias pareciam se arrastar e o medo de ser rejeitado (com o qual tinha prometido acabar) tornava-se cada vez mais forte e parecia mais real. Os pesadelos fizeram-se mais constantes (às vezes, até dois por noite) e era difícil explicar (ou melhor, não explicar) aos meus pais o motivo de tanta agitação e eu notava que eles estavam cada vez mais intrigados com isso.

     De sexta para sábado, dormi muito mal e perdi o sono às 4h da manhã. Vi o dia nascer, o dia que, de certa forma, selaria o meu futuro para a felicidade ou para a dor.


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