Meus personagens com deficiência e a literatura engajada




Desenho mostrando várias pessoas com deficiência: um homem com bengala, um anão, um homem aparentementesem deficiência, um cadeirante, uma mulher aparentemente sem deficiência e um homem amputado com muleta. Na imagem, está escrito: Dia Internacional da Pessoa com Deficiẽncia. Fonte da imagem: <http://parstoday.com/pt/radio/world-i13897-dia_internacional_das_pessoas_com_defici%C3%AAncia>. Acesso: 03/12/2018.
Fonte da imagem: <http://parstoday.com/pt/radio/world-i13897-dia_internacional_das_pessoas_com_defici%C3%AAncia>. Acesso: 03/12/2018.
Há muito tempo que eu queria escrever este texto e não foi por acaso que escolhi o dia 03 de dezembro, que é o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência para isso. Quem conhece os meus livros (Entrelace: Caminhos que se Cruzam ao Acaso e Uma Chance para Recomeçar) o meu conto “Como Você” (Antologia Fantásticos) sabe que todas essas obras possuem personagens principais com deficiência (Henri de Entrelace é cadeirante, Aurélio de Uma Chance para Recomeçar é cego e possui cicatrizes de queimadura pelo corpo e Clara de Como Você tem hemiparesia direita, resultante de paralisia cerebral) e que abordo questões como o preconceito, a acessibilidade e tantas outras relacionadas à deficiência. 
Capa de Entrelace (2ª edição): casal se beijando.
Capa de Entrelace (2ª edição)
Por que eu faço isso? Simples. Porque eu sou uma pessoa com deficiência e sinto, na pele, o que é ter uma deficiência no Brasil. Em minha infância, fui discriminada por pessoas preconceituosas e por aquelas que se diziam não preconceituosas, mas eram tão desinformadas que também acabavam me discriminando, mesmo que “com a melhor das boas intenções” e, infelizmente, isso não mudou. Naquela época, eu também me sentia invisível, pois era raro ver outras pessoas com deficiência nas ruas, na mídia, na escola e nos livros (ainda não é comum). Eu adorava ler, mas os livros que eu lia na minha infância e na adolescência não tinham personagens com deficiência ou, quando tinham, o personagem com deficiência só conseguia ser feliz se se curasse milagrosamente no final. Isso me fazia sentir muito mal, leitor, pois eu não vou me curar. Assim como Clara, eu tive paralisia cerebral e seria necessário uma revolução gigantesca na medicina para corrigir o dano que há no meu cérebro que compromete os movimentos do lado direito do meu corpo e corrigir
Capa de Entrelace (3ª edição): homem cadeirante e mulher se encontram numa praça.
Capa de Entrelace (3ª edição)
também a atrofia dos membros pela impossibilidade do uso. Então, aos 13 anos, eu comecei a achar que aquilo estava errado, que ter uma deficiência não é sinônimo de impossibilidade de ser feliz… Enfim, eu não me sentia representada pelos livros que eu lia e comecei a escrever histórias para eu eu mesma ler que tivessem personagens com deficiência que conseguiam ser felizes apesar das dificuldades que enfrentavam.
Capa de Uma Chance para Recomeçar: um casal, de costas para a câmera, sentado em um banco de madeira, contemplando uma árvore com flores amarelas.
Capa de Uma Chance para Recomeçar
A capa parece uma folha de caderno, onde se encontram colados recortes de papel com vários desenhos: uma pessoa usando um andador, um casal em que uma das pessoas tem um braço mecânico, uma pessoa com perna mecânica e capa de super herói, um cadeirante com chapéu de bruxa, um pedaço de papel com a inscrição “Fantásticos! Antologia de Contos” e, sobre isso tudo, um aparelho auditivo e um óculos escuros.
Antologia Fantásticos
Fui crescendo junto com as minhas histórias e estudando a deficiência academicamente (a deficiência foi meu objeto de estudo na graduação, na especialização e, agora, no doutorado) e eu comecei a perceber que a minha literatura não devia ser apenas de autorepresentação. Deveria ser uma literatura crítica e engajada, abordar mais fortemente temas relacionados à deficiência como o preconceito, a autoaceitação, a acessibilidade. Foi aí que surgiu Entrelace, que é uma espécie de ruptura entre a minha literatura de antes (apenas de representação) e a de hoje (engajada, embora não tenha deixado de ser também de representação) e aborda o preconceito da sociedade causado pela ignorância e pelo desconhecimento na figura da personagem Carol. Sei que muita gente acha que eu exagero nas cenas de preconceito, que acha que aquilo não existe. Infelizmente, existe sim, leitor! Os preconceitos e discriminações que descrevo em minhas obras foram sofridos por mim em alguma fase da minha vida ou presenciei outras pessoas com deficiência passarem por eles. Eles são dolorosamente reais! Mas precisam ser combatidos. E não é escondendo o preconceito e a discriminação que vamos eliminá-los. Ao contrário, precisamos mostrá-los, evidenciando sua face mais feia e combatê-los, bater de frente com eles. Na minha opinião, bater de frente aqui não é sair colocando todo mundo na cadeia. Ao contrário, significa conscientizar, educar, explicar, informar, criar movimentos sociais de reivindicação pacífica, pois ainda acredito que a melhor forma de vencermos o preconceito é através do amor.
Desenho mostrando o símbolo do cadeirante, da Libras (mãos fazendo gestos e movimentos), cego com uma bengala e uma cabeça com cérebro para simbolizar a deficiência intelectual. Fonte da imagem: <https://stockton.edu/general-studies/disability-studies-minor.html>. Acesso: 03/12/2018.
Fonte da imagem: <https://stockton.edu/general-studies/disability-studies-minor.html>. Acesso: 03/12/2018.
Ter personagens com deficiência em minhas obras é proposital (não, não é repetição, nem falta de assunto. Se fosse assim, autores que só escreveram personagens sem deficiência também seriam repetitivos), pois há tantos outros aspectos relacionados à deficiência que precisam ser discutidos (ainda não discuti nem metade deles e nós, pessoas com deficiência, somos aproximadamente 45 milhões no Brasil) e eu acredito que a literatura é um bom lugar para isso, pois ela é capaz de entreter, conscientizar, educar, politizar… tudo ao mesmo tempo. Por isso, os meus livros são a minha militância e são uma literatura engajada, pois fazem uma crítica social e tratam da causa das pessoas com deficiência.
Então,nesse dia internacional de luta das pessoas com deficiência, termino esse texto conclamando a todos a lutarem (da forma que conseguirem, nem que seja nas simples ações do dia a dia) contra o preconceito e a discriminação para com as pessoas com deficiência e a assumirem uma postura de empatia se questionando sempre: se eu tivesse uma deficiência eu gostaria de ser tratado assim?
Se a resposta for não, é hora de mudar de atitude, pois devemos sempre tratar os outros da forma como gostaríamos de ser tratados.
<3 Diana Scarpine


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